Devo deixar meu filho fazer “greve pelo clima”?
Guilherme Lichand
Se seu filho ou sua filha frequenta uma boa escola, deve estar a par de dois (raros) consensos entre os cientistas de instituições internacionais de excelência: (1) a temperatura na Terra está aumentando e (2) esse fenômeno se deve principalmente à ação humana.
Atingimos um ponto crítico: ao ritmo de emissões atuais (causadas principalmente pelo desmatamento e pela atividade industrial), chegaríamos a 2100 com um aumento adicional entre 3.7 e 4.8 graus Celsius. Um aumento acima de 1.5 graus, no entanto, já colocaria em séria ameaça a sobrevivência de milhões de pessoas em regiões sob risco de inundação com o derretimento das calotas polares (diante dessas temperaturas mais altas), além de impactos econômicos adversos concentrados nas regiões mais pobres do mundo, que ainda dependem fortemente da agricultura. Esse futuro reserva mortes, aumento da pobreza extrema e migração emergencial em massa.
Mesmo cortando o ritmo atual das emissões pela metade, como disse a jovem ativista sueca Greta Thunberg em discurso recente na ONU, o risco de ultrapassar esse limite crítico de 1.5 graus Celsius é ainda de 50% – bastante elevado. Somente uma mudança radical, fruto de um compromisso firme das principais economias do mundo (até aqui inexistente), poderia dar chances mais robustas de que seu filho ou sua filha tenha um futuro diferente daquele já reservado caso as coisas continuem como estão.
Mas o que isso tem a ver com faltar na escola? Ao primeiro olhar, nada. Como é que perder aula vai ajudar a resfriar o planeta? Aliás, se seu filho ou sua filha faltasse na escola, ele ou ela certamente não conheceria esses fatos!
Mas se os jovens que vão viver esse futuro não se mobilizarem, quem vai fazer isso por eles?
Minha pesquisa sugere que os pais mais bem intencionados sobre o futuro dos filhos são justamente os menos dispostos a fazer sacrifícios por eles no presente. Num estudo no Malawi (Parent-Bias, co-autorado com Juliette Thibaud), em parceria com a UNICEF, documentei que uma fração relevante dos pais planejam alocar mais recursos para seus filhos no futuro… mas quando esse futuro chega, mudam de ideia. A tal ponto que alocam menos no presente que outros pais que não tem planos futuros tão generosos! Todos queremos dar mais aos nossos filhos no futuro… mas quando esse futuro chega…
Parece estar claro que, se os adultos decidirem pelas crianças – mesmo com a melhor das intenções –, nada excepcional vai acontecer. A greve climática global encabeçada por Greta Thunberg é simbólica por esse motivo. Ela disse, direcionando sua fala aos diplomatas e governantes internacionais presentes:“Está tudo errado! Eu não deveria estar aqui! Eu deveria estar na escola, do outro lado do oceano. Mas vocês todos contam conosco, os jovens, para ter esperança. Como vocês ousam?”
A Greta queria estar na escola. Seu filho ou sua filha queria estar na escola. Mas estar na escola e aprender esses fatos não vai servir para nada se não houver um futuro para eles.
Então a próxima vez que seu filho ou sua filha quiser participar da greve pelo clima, talvez você deveria incentivá-lo!
Ah, e se a escola que seu filho ou sua filha frequenta não ensinou esses dois fatos… bem, talvez esteja na hora de ter uma boa conversa com a escola! A mudança é urgente.
Guilherme Lichand é ex-acampante e monitor de férias no NR e professor da cátedra da UNICEF de Economia do Bem-estar e Desenvolvimento Infantil da Universidade de Zurich, PhD em Economia Política e Governo pela Universidade de Harvard, e eleito o principal inovador social com menos de 35 anos pela MIT Technology Review em 2014.
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